O azul nos olhos de cada um 

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azul

Talvez os olhos do cosmonauta Yuri Gagárin (1934-1968) não fossem dele, mas de sua cultura, de sua gente. Muitos anos antes da corrida espacial, o primeiro-ministro britânico em quatro mandatos William Ewart Gladstone (1809-1898) percebeu na obra do poeta grego Homero, da qual era um apaixonado, a total ausência de menção à cor azul. Essa curiosidade me alcançou dia desses a partir de um artigo no site da BBC News Brasil, de 22 de fevereiro de 2016, mas cujo teor pode ser corroborado em sites de diversos informativos e instituições.

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Intrigado, Gladstone empreendeu uma cruzada nos clássicos ocidentais Ilíada e Odisseia, em busca de algum anil. Mas apesar das obras trazerem belas imagens e descrições do mundo visto pelo olhar do poeta, como “a aurora com seus dedos rosados”, nelas não havia qualquer traço de índigo. Gladstone chegou ao cúmulo de contar as cores mencionadas. O branco aparecia cem vezes e o preto quase duzentas. O resto da paleta era de uma palidez numérica intrigante: o vermelho era citado menos de 15 vezes, o verde e o amarelo, menos de 10. Gladstone foi adiante: leu outros escritos gregos e constatou que o padrão se replicava. A conclusão? A civilização grega enxergava o mundo em preto e branco, com toques de vermelho e brilhos metálicos. “Eles entendiam o azul com a mente, mas não com a alma”, concluiu o pesquisador.

Mas não só os gregos. O filósofo e linguista alemão Lazarus Geiger (1829-1870), contemporâneo de Gladstone, ficou fascinado pela pesquisa do britânico e foi além: fez o mesmo levantamento em obras de outras civilizações da antiguidade. Assim, notou que em clássicos de culturas díspares, como o Alcorão, a Bíblia em hebraico, sagas islandesas e os Vedas hindus, ocorria o mesmo fenômeno. Em meio a descrições de relâmpagos, do sol, da chuva, do cheiro da terra, do éter, em nada aparecia o azul. Nem mesmo para pintar o céu ou o mar.

Já no século 20, o diretor para o Centro de Cognição, Computação e Cultura da Universidade de Londres, o psicólogo inglês Jules Davidoff, retomou a questão. Em um experimento numa tribo da Namíbia que não possuía uma palavra para o azul, mas várias para diversos tipos de verde, ele apresentou uma paleta com onze quadrados, sendo dez verdes e um azul, e pediu para apontarem aquele que era diferente. Eles não o conseguiram. Porém, quando o quadrado azul foi substituído por outro verde, mas sutilmente diverso, cuja diferença a maioria das pessoas no Ocidente não conseguiria notar, eles o destacaram de imediato.

Davidoff então percebeu que no mundo da tribo muitas coisas eram verdes e poucas, azuis: no máximo, a asa de uma borboleta, a plumagem de uma ave. Mas no caso de Homero e dos gregos, rodeados de céu e mar, como poderiam ignorar o azul? A resposta pode estar na necessidade da linguagem.

O linguista israelense Guy Deutscher, da Universidade de Manchester, parece ter ido ao cerne do problema. Para a pesquisa, não precisou sair de casa, nem do coração: sua filha, Alma, foi o objeto de estudo. Como qualquer pai, Deutscher brincava e incentivava a filha, que estava aprendendo a falar. Dentre os incentivos, ensinou-lhe as cores, inclusive o azul, mas sem jamais mencionar que o céu era daquela cor. Quando Alma cresceu um pouco e o pai teve certeza de que ela dominava o conhecimento sobre o que era azul entre os objetos, começou a levá-la para passeios em dias ensolarados e a perguntar: qual a cor do céu?

Por muito tempo, a menina se calou. “Ela respondia a tudo mais, mas com o céu, ela olhava e parecia não compreender o que eu estava dizendo”, comenta o pai pesquisador. Certa vez, em um desses passeios, Alma arriscou “branco” para descrever o céu. Mas só depois de muito tempo, e de ver cartões postais em que o céu era pintado “de um azul celeste celestial”, ela incorporou ao céu, a cor.

A urgência da linguagem é acomodar, descrever e classificar o que é considerado decisivo e útil à sobrevivência – e esse ensinamento é transmitido. Nos gregos e outras civilizações antigas, o preto e branco estavam relacionados ao claro e escuro dos dias e das noites, o primeiro impacto do mundo em nosso olhar humano. O vermelho, ao sangue, das presas em nossas mãos, de nossa carne entregue ao predador. A sofisticação das sociedades amplia a paleta de cores, e descrever céu e mar, em todos os nuances e matizes, é um caminho para um descobrir-se ainda mais profundo.

500px Yuri Gagarin %281961%29 Restoration - 40EMAISEm tempo: o cosmonauta russo Yuri Gagárin foi o primeiro ser humano a ser alçado ao espaço, em 1961. É dele a frase: “a Terra é azul”, um azul que, da imensidão do universo, nos cobre a todos, mas cuja essência às vezes nos escapa. A sofisticação vem sendo sufocada por olhares em preto e branco de um arcaísmo malévolo, pois que celebrado em um festim de ignorância cega, apesar de toda a poesia de nossos passos humanos, firmes ou trôpegos, mas constantes, ao longo da História. Que nossa vida tenha muito mais azul.

 
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Ronaldo Vaio

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Santista de todos os jeitos, jornalista desde 1997, editor de artes e variedades em A Tribuna e viajante de mundos e palavras.

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