O tempo dos relógios e o espaço das geografias são um imenso nada quando se sai do lugar habitual, quando o corpo é colocado à prova do coração em novíssimas, ou tão antigas que já curtidas sob a pele, emoções. Pois há viagens e viagens.
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Há aquelas das descobertas plenas, as primeiras viagens, um marco avassalador sobre o que já se viveu, cujas cores e sabores põem em xeque os conceitos, preconceitos e certezas e impõem novos rumos e verdades ou, ao menos, novas possibilidades de caminho aos limites da cultura que serviu de berço e fundação.
Nessa cultura, a que o ser primeiro se consagra, está assentada a essência que se há de carregar até a morte, não como obra formada, mas barro que se há de moldar, também e em grande medida, quando possíveis, pelas doces viagens da juventude, da cara e da coragem, em que prevalecem o frisson pelo desconhecido e o desejo da descoberta, como se não houvesse amanhã.
Mas sempre há o amanhã. E a ele pertencem as viagens de retorno, tão ou mais marcantes quanto o tanto de alma deixado pra trás nas primeiras vezes. Estive de férias na Dinamarca. Revi a casa onde dois de meus filhos nasceram, provei de novo sabores adormecidos, recordei na brisa o aroma de outras flores, voltei a sentir na pele sol e chuva, o calor, e sobretudo o frio que me é tão estranho, enfim, andei pelas ruas de ontem com os passos de hoje, que me impelem a ser outro, sendo eu mesmo. Como se o espaço, o lugar, fosse uma máquina do tempo, sobrepondo duas épocas de mim no mesmo instante. Reencontrei-me com os amores e dores de outrora, mas elaborados, lapidados, vividos. Pois é impossível, por exemplo, passar na porta daquela escola sem esperar os filhos saírem; ou ver na rua um carrinho de bebê sem que eu seja embalado por outros balbucios e risos, tão vívidos e eternos quanto a memória do coração o permita; ou entrar naquela padaria sem mergulhar em cafés de tantas manhãs, a xícara fumegante, o delicioso som ríspido da faca abrindo o pão crocante; caminhar na floresta sem relembrar a caça aos cogumelos no outono; ou, no verão, sentir na boca os morangos com a mesma doçura de tantos anos antes.
A viagem de volta, o retorno, é isso: o intenso resgate dos pedacinhos de alma que vão se espalhando pelo mundo ao longo da jornada. São a única riqueza possível, o tesouro enterrado no chão que nossos passos trilham, cujo mapa vai sendo delineado com a tinta dos afetos. Recolher o tesouro é um sopro de alegria e esperança, é recolocar a vida no prumo, acertar o foco do que de fato importa, tantas vezes turvado por demandas insensatas no dia a dia. No fundo, a viagem de volta é a volta ao próprio ser: humano, pleno.
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