Para quem já passou dos 30, e gosta de cinema, 1999 foi um ano fora da curva: de retorno de Star Wars aos cinemas (embora o filme tenha decepcionado), passando por Beleza Americana, A Múmia, De Olhos Bem Fechados, enfim, uma série de filmes que se tornaram clássicos nos anos seguintes. Mas nenhum deles teve o impacto que Matrix teve na época. Com um roteiro que reunia muitas referências com inteligência, cenas de ação nunca vistas antes e efeitos visuais visionários, o filme foi uma revolução tão grande, que nos anos seguintes não faltaram cópias e paródias para tirar uma casquinha da obra.
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Porém, em 2003, os diretores Larry e Andy Wachowski entregaram duas continuações que, além de tediosas e com pouco nexo, não conseguiram fazer jus ao filme original, e deixou os fãs com um gosto de decepção na boca. E é com essa lembrança que nós saímos de Matrix Resurrections. Uma boa decepção (para não falar outra coisa), que veio para deixar claro uma coisa: tudo o que está ruim, pode piorar muito.
Uma das grandes questões, quando se trabalha com conteúdo, é saber quem é o público-alvo para quem nos dirigimos. E é exatamente essa pergunta que a diretora Lana Wachowski se esqueceu de fazer: Matrix 4 não interessa ao público jovem atual, que não foi impactado na época do lançamento do original, mas sim para nós, os velhões que estávamos lá em 99. Mas ao invés de recebermos um filme que usa a nostalgia com moderação, nós recebemos um material que não se sustenta sozinho (o número de vezes que temos que ver flashes dos filmes anteriores é excessivo) e que, ao tentar abraçar as piores características dos filmes modernos, acaba, na verdade, não falando com ninguém.
Na trama, Thomas Anderson é um designer de games mundialmente famoso por ter criado a trilogia Matrix, que aparentemente revolucionou o mundo dos jogos. No entanto, Thomas, novamente vivido por Keanu Reeves, aparentemente sofre de problemas mentais, pois imagina que aquilo que ele criou para os jogos, na verdade é uma memória de coisas que ele já vivenciou no passado. Por isso, ele tem visitas regulares com um analista (Neil Patrick Harris) que o trata como alguém que sofre de esquizofrenia. Obviamente que nada disso interessa, por que é evidente para qualquer um que tudo isso é falso, e na verdade Thomas é Neo, que está preso em uma nova versão da matrix, e que o analista é meramente um programa criado para manter Neo com a ilusão de que aquele é o mundo real. Isso já fica evidente, aliás, no trailer do filme.
Imaginando que todos nós somos completos idiotas, a diretora e roteirista Lana Wachowski tenta usar a carta da metalinguagem para tecer “críticas” ao sistema atual de entretenimento, com suas continuações e refilmagens que são sempre mais burras que os filmes originais. Mas aqui, assim como em Jurassic World, essa tentativa de crítica soa juvenil e vazia, já que nós estamos assistindo um produto que não deixa de ser uma continuação inferior de uma grande obra do passado. Assim, ao criticar a própria Warner Bros. por exigir uma continuação, ela tenta não se responsabilizar pelo (péssimo) produto que está entregando, o que soa como a mais pura bigodagem.
Seria muito fácil aqui apenas tecer xingamentos ao material apresentado. Fácil, e justíssimo, mas vamos entender como esse filme é tão carente de ideias que não consegue nem desenvolver o universo que apresenta:
Primeiro, como que as máquinas conseguiram ressuscitar Neo e Trinity? Eles não são pessoas normais, que morrem e não voltam mais? NÃO SEI.
O que aconteceu com Zion? Foi destruída? Ou os habitantes se mudaram para Io (uma nova cidade) espontaneamente? NÃO SEI.
Por que as máquinas estão em guerra entre si? E como isso afetou a paz acertada no filme anterior? NÃO SEI.
Por que Io só tem uma general no comando? É uma ditadura? Só as mulheres estão em posição de controle? NÃO SEI.
O que é esse novo Morpheus? DEFINITIVAMENTE NÃO SEI.
Se a ideia era manter Neo e Trinity nessa nova Matrix, sem se lembrar de quem eram, não era melhor fazê-lo ser um advogado ou um político, ao invés de colocá-lo numa profissão que obviamente vai fazê-lo se lembrar de quem ele foi e o que ele fez?
Por que algumas máquinas resolveram se aliar aos humanos? NÃO SEI.
Por que refazer a Matrix e trazer de volta o agente Smith? Ele não era o inimigo das máquinas no filme anterior, e eles fizeram um acordo com Neo para destruí-lo em troca de paz? NÃO SEI.
Como dá pra ver, são tantas perguntas que, se fossem utilizadas para construir um universo coeso, dariam um filme muito melhor. Mas ao invés disso, a diretora e seus roteiristas preferem lançar críticas contra “o sistema” de hoje. Ou seja, comentários óbvios, já feitos em inúmeros outros filmes e séries (e livros, e games etc) contra a indústria do entretenimento e redes sociais. Mas mesmo essa tentativa de soar profundo poderia fazer um filme melhor, se tivessem a coragem de desenvolver os temas: por exemplo, como a Matrix usa as redes sociais para manter as pessoas dormentes? Como a falta de criatividade da indústria do entretenimento é usada pela Matrix para o mesmo propósito? Mas nem isso. Os caras não vão além da superficialidade. Até mesmo em determinado momento, eles mostram os personagens numa sala fazendo um brainstorm para criar a continuação do game, tratando de palavras-chave e ideias idiotas, que é exatamente como os filmes de hoje são escritos: em grupo, com marqueteiros e militantes, mas sem ninguém ali com nenhuma idéia original. Mas isso também é breve, e não muito aproveitado.
E se o filme original, além de sagaz, também era ágil e trazia sequências de luta muito inventivas, essa continuação é longa, chata, e tem as cenas de ação menos inspiradas que eu já vi. Ou seja: tudo é genérico nesse filme. Nada se salva. Nem os personagens, nem os atores, que estão meio perdidos, meio sem saber o que fazer. A direção do filme é muito ruim, e por algum motivo, faz todo mundo ficar num tom sonolento que contribui ainda mais para a chatice do filme.
No filme original, em determinado momento, o agente Smith diz que a Matrix foi construída para ser uma representação do final do século XX, o ápice da nossa sociedade. A julgar pelo resultado desse filme (e da maioria deles, na verdade), ele tinha razão. Nós já passamos do auge, e agora é tudo ladeira abaixo.
PS.: Não espere a cena pós-créditos do filme. É uma piada sem graça.
**Este texto não, necessariamente, reflete a opinião do 40EMAIS.
Márcio Cabral é designer gráfico, cineasta e publicitário. Atua na área de design há mais de dez anos. Atualmente, é diretor criativo na Agência IAP Propaganda. |
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