— Filho, não liga. Se tu ‘não der’ importância, eles vão parar de te encher.
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Eu era um menino obeso na década de 1980. E um aluno CDF (você que tem mais de 40 se lembra dessa sigla). Prato fundo e cheio para o que hoje se chama de bullying. Saí no tapa com muita gente. Minha mãe, preocupada comigo, me deu aquele conselho: “não liga”. Só aprendi a lição quando estava crescendo e emagrecendo, mas, quando me caiu a ficha (você, quarentão/quarentona, também se recorda dessa expressão), encontrei a paz.Daniel Silveira
O presidente Jair Bolsonaro (PL) é como os moleques chatos da escola que vivem em grupinhos na turma do fundão da classe: tem poucas qualidades pessoais positivas, se comporta mal, costuma levar nota baixa, mas está sempre agredindo quem ele acha que é feio e bobo.
O menino obeso destes dias é o Supremo Tribunal Federal (STF). Por questão de justiça, e com trocadilho, o STF não é uma criança perfeita. Lerdo e com ministros vitalícios, às vezes deixa de fazer a lição de casa. Mas, quando cumpre suas tarefas, leva um beliscão ou escuta um xingamento do moleque chato.
No que o STF acertou? Ao fazer o que lhe cabe no caso do deputado federal Daniel Silveira (PTB-RJ). O trabalho do Supremo, a única instância jurídica onde são julgados deputados e senadores no exercício do mandato, é interpretar e aplicar a Constituição Federal.
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Silveira, por exemplo, estimulou seus seguidores a “jogar o ministro (do STF Alexandre de Moraes) dentro da lixeira, retirar o ministro na base da porrada”. Disse que imaginou o também ministro Edson Fachin “na rua, levando uma surra”. Também chamou Moraes de “cabeça de ovo” (ooohhh!), mas não foi isso que determinou a denúncia contra ele, feita pela Procuradoria-Geral da República e que levou o Supremo a condená-lo a oito anos e nove meses de prisão “por crimes de ameaça ao Estado Democrático de Direito e coação no curso do processo” — assim justifica o STF.
Pois o presidente Jair Bolsonaro usou que a lei lhe permite e concedeu uma graça, um perdão especial exclusivo para Silveira. O partido Rede Sustentabilidade foi ao STF e pediu que o Supremo, baseado na Constituição, analise o assunto. Não há data para que se julgue isso, porque os ministros do Supremo começaram a crescer e emagrecer: estão percebendo que, se não derem bola para provocações, Bolsonaro ficará falando sozinho. Ou procurando outras potenciais vítimas de bullying, como a segurança das urnas e a eficácia das vacinas, para desviar seus defeitos da atenção.
Entre os problemas que o presidente e o governo têm sofrido para resolver (pois o moleque chato, além de tudo, não estuda para as provas), estão achar soluções para o desemprego e/ou para a informalidade no trabalho (segundo matéria do portal g1, “Levantamento mostra que desemprego no Brasil deve ficar bem acima da média global, das economias emergentes e do G20”) e para conter a alta geral dos preços, que achata o poder de compra do brasileiro (“Prévia da inflação fica em 1,73% em abril, a maior para o mês desde 1995”, conforme reportagem do UOL).
Quanto à interpretação da Constituição, duas coisas têm a ver com a questão de Daniel Silveira e fazem o presidente recorrer ao que ele chama de “liberdade de expressão”. Uma delas é o Artigo 53, pelo qual “os deputados e senadores são invioláveis, civil e penalmente, por quaisquer de suas opiniões, palavras e votos”. Ler esse artigo de forma isolada é chocante: dá a impressão de que parlamentares podem tudo.
Mas é aí que entra o trabalho do STF. O Artigo 53 está acima dos demais? Não há nada que dê freio a um deputado que instiga violências?
Existe, sim, e é o Artigo 1º: “A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito (…)”.
E o que significa estado de direito? É aquele em que todo cidadão, com ou sem mandato, está sujeito às leis. Tanto que, apesar de o Artigo 53 dizer que os congressistas “são invioláveis”, logo depois vem o Parágrafo 1º nesse artigo: “Os deputados e senadores, desde a expedição do diploma, serão submetidos a julgamento perante o Supremo Tribunal Federal”. Não fosse assim, esse artigo estaria ferindo a Constituição. O tal parágrafo é a brecha contra abusos.
Aí está a importância das leis e do Supremo, que alguns desrespeitam por achar que o menino obeso é obrigado a aguentar o moleque chato. Quando, em seu socorro, o menino gritar “professora!”, essa é a Constituição.
**Este texto não, necessariamente, reflete a opinião do 40EMAIS.
Rafael Motta, nascido em Santos e jornalista formado em 2000, trabalha desde 1993, aos 14 anos, em veículos de comunicação da Baixada Santista e de alcance nacional (portanto, já está nos 40 e mais). É editor assistente de Cidades do jornal A Tribuna e autor dos livros ‘Tarquínio – Começar de Novo’ (Editora Leopoldianum, 2012, biografia) e ‘Catorze – A Via-Sacra de Erasmo Cupertino’ (Edição do Autor, 2020, ficção). Acredita que o exercício da política pode melhorar a democracia, pois está ao alcance de todos: não é preciso ter mandato para agir politicamente. E pensa que os políticos pagos com o nosso dinheiro devem satisfações à sociedade. Quando não nos dão explicações, devemos buscá-las. Um caminho é analisar o que fazem, para entender seus objetivos. |
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