Eu preciso falar sobre o filme Pieces of a Woman, que estreou na Netflix em janeiro deste ano e é tão denso que não combina nem com pipoca e coca-cola, no máximo um copo de água, pra engolir a realidade retratada. Mas, aviso, esse texto contém spoiler!
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Confesso que demorei pra vê-lo, justamente por abordar uma situação que comove: a morte de um bebê logo após o parto. Também porque passei por uma perda gestacional que nem mesmo o nascimento dos dois filhos, depois, foi suficiente pra apagar essa dor das páginas da minha vida. E, agora entendo, nem deve ser apagada mesmo.
O argumento do filme por si só já seria uma prestação de serviço, mais um passo pra se discutir e afastar o tabu que rodeia as perdas gestacionais ou no parto. Mas a atuação de Vanessa Kirby, que faz a personagem principal, Martha, é impecável e visceral. Eu me vi prendendo a respiração nos primeiros 20 minutos do longa, de tamanha tensão e intensidade na forma com que o diretor Kornél Mundruczó nos coloca dentro da cena.
O uso certeiro do plano-sequência é o responsável por essa impressão de estar dentro da ação, de quase querer ajudar no trabalho de parto, que se passa na casa do casal Martha e Sean (Shia LaBeouf, ator de Transformers – O filme).
O parto domiciliar com final trágico foi todo planejado para ser conduzido por outra parteira, a quem Martha confiava, que na hora H estava no meio de outro nascimento e enviou sua auxiliar, Eve, interpretada por uma irreconhecível Molly Parker, muito bem caracterizada – e envelhecida – para o papel.
Um parêntese para lembrar que a canadense Molly participou da sexta temporada de Dexter e fez o papel da enigmática deputada Jackie Sharp, em House of Cards, enfrentando o todo-poderoso presidente dos EUA Frank Underwood, na série que me fez passar madrugadas acordada.
De volta à Pieces of a Woman, senti que, de forma muito sútil, o diretor dá alguns sinais, nos minutos iniciais do trabalho de parto, de que não era só Martha que estava insegura com a parteira. A própria Eve parece titubear em alguns momentos, levando o futuro pai a questionamentos sobre a própria segurança do procedimento.
Com a morte da filhinha, que ela ainda segurou nos braços por alguns minutos com vida, Martha parece entra num universo paralelo, numa mistura de negação e tristeza velada. A vida do casal é profundamente afetada, com um distanciamento que aumenta à medida que, ironicamente, a construção da ponte na qual Sean trabalha vai avançando, até que os dois lados da obra se unem.
O mesmo não acontece com os dois. E os conflitos com a mãe e a irmã de Martha revelam acusações e sentimentos mal resolvidos, com cobranças da avó em luto para que a parteira seja julgada e condenada. Enquanto Martha apenas segue, reclusa dentro da sua própria dor. O marido até tenta trazer tudo isso à tona, e também volta a enfrentar seus demônios pessoais, como o alcoolismo.
Nessa jornada em que as outras pessoas parecem querer decidir o que ela deve sentir ou fazer, Martha insiste em apagar a ideia de que teve uma filha, até resgatar as três ou quatro fotos que o marido fez logo após o nascimento, antes de a bebê morrer.
Essa cena é mágica, uma das mais emblemáticas pra mim, pois esse sentimento de maternidade, apesar do luto, é descoberto enquanto a imagem é revelada, literalmente no processo mais tradicional de revelação fotográfica no papel.
Sutil, simbólico e transformador. Pois resgatou a Martha dentro dela mesma, o que fez mudar até o curso do tal julgamento, que ela nem queria, e da própria despedida dos restos mortais da filha.
São duas horas de filme e posso dizer que Vanessa carrega sozinha o enredo, seja nos gritos de dor durante as contrações ou no silêncio incômodo que diz muito ao lado do marido. Não é uma história de dor, é uma história de vida, como a de tantas mulheres e famílias por aí, na qual o luto muda o rumo de forma drástica.
Vanessa já tinha me conquistado com sua participação em Missão Impossível 7, depois partiu meu coração com a frieza da Alicia, em Me before You (Como eu era antes de você), mas me ganhou pra sempre como a iludida Princesa Margaret, nas primeira e segunda temporadas de The Crown.
Assistir Pieces of a Woman é participar de uma jornada emocional intensa, se deparar com os piores sentimentos e momentos que uma mãe pode experimentar. E entender que enfrentar até a nossa pior dor pode ser o caminho para curá-la.
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Amei! Já virei fã! Parabéns pela leveza do texto, fiquei curiosa em assistir 🥰
Muuuuuito obrigada!!!