Estávamos num grupo de quase vinte pessoas, há mais de uma hora, desbravando os infinitos e sombrios corredores do cemitério do Paquetá.
Aproveite descontos exclusivos em cursos, mentorias, eventos, festas e muito mais assinando o Clube 40EMAIS agora! Além disso, ganhe descontos em lojas, restaurantes e serviços selecionados. Não perca tempo, junte-se ao nosso clube!
Ninguém havia morrido, digo, pelo menos ninguém que um de nós conhecêssemos. Mas, pelo tempo que estávamos ali e pelo percurso percorrido, os coveiros deviam nos julgar alguma irmandade que cultua a morte ou uma quadrilha que rouba mármore das lápides e flores a fim de vender nas redondezas. Não éramos, não. Bem, na verdade, eu não conhecia meus companheiros de aventura. Talvez, algum…
Fazíamos um tipo de roteiro pouco explorado no Brasil, mas bem comum no estrangeiro. É o que chamam de turismo tumular, ou turismo cemiterial. Caça fantasmas pros engraçadinhos.
O Paquetá é o cemitério mais antigo de Santos, lá de 1854. Muito morto velho por ali. E muito morto famoso também. Talvez alguns já tenham até voltado, sabe-se lá.
Não é todo dia que se pode estar na presença ausente de Vicente de Carvalho, o poeta do mar; Benedicto Calixto, saudoso Benê; Martins Fontes e Galeão Carvalhal. Curioso como todo mundo que batizou rua ou avenida em Santos acabou morrendo. Eu que não quero meu nome nessas plaquinhas azuis.
Os mortos-celebridades não eram o único motivo do tour fúnebre, que tinha como principal objetivo a contemplação do patrimônio artístico e arquitetônico do Paquetá. São mais de vinte túmulos tombados como patrimônio cultural da cidade, dizia o guia, ali, entre os mais de cinco mil túmulos de pessoas tombadas pela vida mesmo.
Começava a escurecer e o roteiro estava quase no fim, mas ainda havia a cereja do bolo, o crème de la crème da morte. Com os olhos brilhando, como se fosse revelar uma linda surpresa, o guia solta a bomba: é por aqui que vive Maria M., o Fantasma do Paquetá.
Valei-me Deus, minhas pernas bambearam, precisei sentar ali na beirada da casa eterna de Mário Covas, Deus que me perdoe, pra retomar o fôlego. Duas moças do grupo saíram correndo procurando pelo portão de saída, uma criança se botou a berrar e um adolescente abobado parece ter se excitado com a notícia e disparou um arsenal de perguntas sobre a defunta enlutada.
Pra quem não sabe, o Fantasma do Paquetá assombra santistas desde 1900 e pouco e pelo visto ainda não deixaram a coitada em paz. Maria M., contava o guia, foi uma jovem beata da alta sociedade santista, que teve um caso com um clérigo da velha Igreja Matriz de Santos. Deste relacionamento, nasceu uma criança, que morreu de tétano pouco tempo após o nascimento. O bebê foi enterrado discretamente na ala de crianças do Cemitério do Paquetá, pois Maria havia sido expulsa de casa e era hostilizada pela sociedade da época. Então, a mãe em luto, passou a ir todos os dias chorar a morte de seu bebê, sempre próximo da meia-noite. Ajoelhava-se no portão, levantava o véu e com um lenço enxugava as lágrimas e acenava para dentro do cemitério.
A essa altura, o grupo se resumia a três pessoas, o adolescente mexeriqueiro, um senhor que nem estava no tour, mas parou pra ouvir o relato macabro, e eu. Já se fazia noite e eu só conseguia pensar que o Fantasma do Paquetá ainda estava por ali, já que seu bebê também estava.
Uma coisa é lidar com o fantasma de um poeta ou de um pintor ou até de um ex-governador, outra é encarar a alma penada de uma mãe que não conseguiu ninar seu filho e ainda foi expulsa de casa. Não era esse o final que eu esperava para um tour, ainda que fosse tumular.
Tratei de acelerar o guia com a história macabra, antes que o garoto pedisse mais detalhes. O percurso até o portão do cemitério, naquela vastidão em penumbra, pareceu levar horas. Chegamos à saída na hora em que os portões estavam sendo fechados. Ufa, por pouco. Deus me livre passar a noite ali, com Maria M., o guia macabro e aquele garoto caça-fantasmas.
Já estávamos na calçada e o portão trancado, quando me voltei ao vigia, ainda atordoado só pra me certificar de uma coisa. Ei, amigo, me diz uma coisa e seja sincero: ela consegue sair daí?
MAIS NESSA COLUNA
Leia Também
|